terça-feira, 15 de agosto de 2017

ADEUS, REINALDO!


Bahia perde o artista Eckenberger

Um dos artistas mais brilhantes de sua geração
A Bahia acordou hoje mais triste. Morreu, por volta das 19h30 de ontem, o artista plástico argentino Reinaldo Eckenberger. Radicado na capital baiana há 51 anos, ele sofreu um infarto na segunda-feira e foi conduzido ao Hospital Geral do Estado, onde chegou com vida. Na manhã de ontem, após registrar uma pequena melhora, teve um segundo infarto que o levou a óbito. A pedido dos amigos, a notícia ficou restrita ao seu círculo em respeito ao companheiro do artista que só seria informado da perda na manhã de hoje.
Um dos artistas mais brilhantes de sua geração, Reinaldo Eckenberger nasceu em Buenos Aires, em 1938 e chegou à Bahia em 1965, cidade que elegeu para viver e que, segundo ele, era o único lugar do mundo capaz de abrigar o barroquismo de sua arte.
Apesar da paixão pela cidade, sua obra não recebeu influências afro-baianas. Manteve-se fiel ao seu estilo irreverente, crítico e divertido. Na arte e na vida. Sempre bem humorado traduzia esse estado de espírito nas milhares de peças que criou ao longo da carreira. Tudo com muito excesso, tudo muito caótico e sempre carregado de erotismo.
“A Bahia hoje está de luto, é uma perda grande para as artes plásticas, para nós artistas e, sobretudo, para nós amigos desse genial artista que adotou a Bahia como sua pátria”, lamentou o colega Leonel Mattos.
Embora pertencesse a geração de grandes nomes das artes visuais baianas, Eckenberger trilhou seu caminho à margem do glamour que marcou aquela época, distante das galerias. Pela timidez e por discordar do modus operandi do mercado de arte. Sua arte pessoal e, por vezes incompreendida, circulou mundo a fora encantando e assustando gente. Ora criando figurinos e cenografias, ora criando bonecas de pano, uma de suas marcas registradas. A opção por esta via, digamos discreta e solitária, talvez tenha sido a causa de não ter tido a mesma notoriedade de seus contemporâneos. Mas isso não o  incomodava. Ao contrário. No atelier-residência no Carmo, Centro Histórico de Salvador produzia suas obras após os passeios diários pelo Taboão e pelas lojas de R$ 1,99 da vida, de onde trazia objetos inusitados que transformava em obra de arte. Sempre ao som da música clássica. Ali, transformava o universal no cotidiano dele.  
“Quero continuar fazendo o me der na cabeça. Sobrevivo da arte, mas não me curvo ao mercado da forma como ele se comporta”, confessou certa vez  durante uma entrevista a este jornalista no velho casarão onde era impossível distinguir onde começava o ateliê e onde terminava sua casa.
Quase meio século depois sem ter sua arte reconhecida como merecia, ganhou uma exposição comemorativa dos 50 anos de carreira no Brasil, no ano passado. A mostra, que reuniu mais de 500 peças, foi um sucesso absoluto pelos centros culturais da Caixa por onde passou. Incluindo Salvador e o do Rio de Janeiro, onde recebeu excelentes críticas e um enorme público.
Batizada de Reinaldo Eckenberger – Uma Poética do Excesso, a exposição foi uma retrospectiva de sua carreira que trazia um panorama das múltiplas fases e linguagens do artista que foi premiado na primeira Bienal da Bahia e também na Bienal de São Paulo. Dentre as centenas de itens expostos estavam seus divertidos objetos híbridos, por vezes feios, mas sempre carregados de crítica, de contestação, o que o muitas vezes o afastava do público que embora, considerasse interessante, de certa forma receava conviver com aquilo.
Bonecas de pano eram uma das marcas registradas de Eckenberg
Procurado pela reportagem, um dos curadores da mostra, o jornalista Claudius Portugal foi pego de surpresa. “Não sabia, difícil dizer assim, de surpresa”, lamentou. Após se refazer do susto, ressaltou a importância do artista que, segundo ele, incorporava toda a vanguarda do século 20. “A obra dele tinhas os movimentos modernistas, cubista, surrealista e até pós-modernista, o que a tornava singular, diferenciada”.
Se para o Brasil sua obra não teve o reconhecimento merecido, alguns museus do mundo, como o Museu de Arte Bruta, em Paris, tem trabalhos do artista no seu acervo. Ao longo de sua trajetória, expôs individualmente em países da Europa como França e Alemanha, e claro, na capital argentina, sua terra natal.
“A Bahia sempre foi ingrata com seus artistas porque não os valoriza em vida e, na maioria das vezes, nem após a morte. Eckenberger foi um desses artistas que nunca obteve o prestígio que sua arte mereceu; Ele era único, sua arte era pessoal, crítica, contestadora, absolutamente genial”, diz o artista plástico e crítico de arte Justino Marinho para quem a arte do colega não era para enfeitar, mas sim para contestar.
Se para os colegas de ofício a perda é imensa para as artes, para os amigos, é irreparável. “Pra mim vai ser difícil não vê-lo todos os dias. Além de um artista extraordinário, Eckenberger era um amigo especial. Sempre bem humorado, brincalhão, mas sempre elegante nas suas palavras e nos gestos. Estou arrasado”, lamentou o arquiteto Paulo Vaz, seu vizinho no Carmo e dono do Cafelier, um dos lugares preferidos do artista no Centro Histórico.

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