sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

DEVOLVER PEÇAS DE ARTE?

A devolução de artefatos pela França e a discussão sobre objetos históricos ‘roubados’ 

Luiza Bandeira 

Presidente da França prometeu devolver objetos que estão em museus a países africanos; medida reabre debate sobre restituição

Presidente da França prometeu devolver objetos arqueológicos
EXPOSIÇÃO NO MUSEU ARQUEOLÓGICO QUAI BRANLY, EM PARIS   

O presidente da França, Emmanuel Macron, prometeu devolver artefatos históricos que estão em museus franceses aos países africanos de origem. Somente o museu Du Quai Branly, em Paris, abriga mais de 70 mil itens da África subsaariana em sua coleção. A promessa de Macron, feita no dia 28 de novembro, em Burkina Faso, foi considerada histórica por romper com o princípio da “inalienabilidade” do patrimônio público francês. Criado em 1566, o princípio estabelece que as obras que estão nas coleções francesas devem ficar no país para sempre.

“Não posso aceitar que uma grande parte da herança cultural da África esteja na França. Nos próximos cinco anos, quero atingir condições para a restituição temporária ou permanente da herança africana para a África” 
Macron presidente da França

A fala de Macron reabre um antigo debate sobre devolução e restituição de tesouros históricos. Grande parte das coleções de museus etnográficos da Europa e América do Norte têm origem em saques ocorridos em guerras e invasões, como as pilhagens feitas por Napoleão ou por países coloniais. 

Atualmente, diversos países, como a Grécia, requisitam a devolução desses objetos, considerados tesouros nacionais. A restituição, porém, pode esvaziar os museus etnográficos, que têm por objetivo contar a história do mundo. 

A Unesco criou, em 1970, uma convenção relativa a medidas para proibir e impedir a importação e exportação de bens culturais ilícitos. 

Em 1978, ainda no âmbito da organização, foi criado um comitê para promover negociações bilaterais para devolução de peças. Não há uma regra internacional que obrigue os países a devolverem peças a seus países de origem. Diversos itens já foram devolvidos em acordos bilaterais. 

O argumento pela restituição 

Um dos argumentos usados por aqueles que defendem a repatriação dos tesouros nacionais é que a permanência deles em outros países representa uma manutenção do colonialismo e exacerba as desigualdades entre países. “A retenção de antiguidades que foram extraídas em expedições punitivas é uma perpetuação intolerável da violência colonialista”, disse o arqueólogo Sam Hardy ao jornal espanhol El País. “O colonialismo ainda está vivo e bem no mundo da arte. 

Os auto-intitulados líderes na área ainda justificam manter pilhagem para encher seus ‘museus universais’, onde os clientes podem ver coleções enciclopédicas de todo o mundo. Uma ideia nobre, em teoria, mas na prática, um luxo ocidental. Os cidadãos de Nova York, Londres e Paris podem se beneficiar, mas e aqueles de Phnom Penh [Camboja]? Nunca”, afirmou ao jornal britânico The Guardian Tess Davis, advogada e arqueóloga da Antiquities Coalition (Coalizão de Antiguidades) dos EUA. 

Defensores da restituição argumentam ainda que a exibição de antiguidades de outros países incentiva a exploração ilegal de sítios arqueológicos. “Enquanto houver um mercado lucrativo para bens saqueados, para objetos com procedência incerta, haverá comércio ilícito de antiguidades”, disse Jason Felch, autor de “Chasing Aphrodite: The Hunt for Looted Antiquities at the World’s Richest Museum” (“Perseguindo Afrodite: A caçada às antiguidades saqueadas no museu mais rico do mundo”, em tradução livre), ao The Guardian. 

Um exemplo disso, segundo Davis, aconteceu com a estátua do deus hindu Hanuman, originária do Camboja, repatriada pelo Museu de Arte de Cleveland, nos Estados Unidos, em 2015. Segundo ela, a peça nem deveria ter sido incluída no acervo do museu. “A estátua apareceu no mercado enquanto o Camboja estava no meio de uma guerra, enfrentando genocídio. Como alguém poderia não saber que era propriedade roubada? A única resposta é que ninguém queria saber.” 

Por último, há um debate sobre peças que têm significado religioso ou ritualístico. Uma controvérsia é a exibição de restos mortais humanos. “É difícil compreender como esses restos ficaram sem funeral, e longe de sua terra natal”, disse ao jornal Financial Times Abdoulaye Camara, ex-presidente do Museu de Arte Africana, em Dakar, quando a cabeça mumificada de um guerreiro Maori foi devolvida à Nova Zelândia por um museu francês, em 2009. 

O argumento pela permanência Um dos principais argumentos usados por aqueles que defendem a permanência das peças nos países desenvolvidos é que, nos grandes museus, há mais capacidade de conservar as obras. 

A destruição de locais históricos no Oriente Médio pelo grupo Estado Islâmico deu força a essa teoria. “Acho que isso vai colocar um fim no excesso de piedade nas restituições”, disse em 2015 Gary Vikan, antigo diretor do museu de arte Walters, em Baltimore, ao jornal The New York Times. 

Outra alegação é que, nos grandes museus, as peças ficam mais acessíveis e podem ser vistas por mais gente. “Quando as obras podem ser visitadas e, além disso, são acessíveis ao público, isso ajuda a neutralizar os argumentos sobre a titularidade, porque o importante é que tenham a maior difusão possível", afirmou Gabriele Finaldi, diretor da National Gallery, de Londres, ao jornal espanhol El País. 

Além disso, há a defesa de que “antiguidades são propriedade cultural de toda a humanidade”. “[São] evidência do passado do mundo e não de uma nação moderna em particular. 

As peças englobam a antiguidade, e a antiguidade não conhece barreiras”, escreveu o historiador de arte James Cuno, no livro “Who Owns Antiquity” (“A quem pertencem as antiguidades”, em tradução livre). “Há uma resposta segura para a questão ‘Quem é dono da cultura?’: não é o Estado-nação. 

As culturas não se alinham às fronteiras de mapas” 
Jason Farago crítico de arte

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