sábado, 24 de fevereiro de 2018

ADEUS, PRETA!


Para quem não é proprietário de veloz lancha, ir até o restaurante da Preta, na ilha de Maré, se merece. Primeiro uns bons 45 minutos – estrada mal sinalizada - até São Tomé de Paripe, mais 20 minutos de barquinho, enfiado num salva-vidas alaranjado porque, mesmo para nadador razoável, nunca se sabe. O desembarcadouro deveria ser mais cuidado, mas a prefeitura de Salvador prefere tratar das festas da cidade. Não é preciso ser futurólogo para prever um grave acidente. Mas todo sacrifício é pouco quando a porta do restaurante se abre. De uma casa simples do interior, Angeluce, com varinha de condão, conseguiu inventar algo único. Não há quem adentre sem um imenso sorriso no rosto. 


Festa para o olhar e festa para o paladar. Porções generosas artisticamente apresentadas vão fazer de seu almoço um momento inesquecível. Em menos de dois meses, já fui quatro vezes e sempre saio com a felicidade de alguém que acabou de ouvir Mozart em Salzburg, ou esteve observando as focas nadando nas Galápagos.
Só que o Éden em breve estará mudando de endereço. Por duas razões, ambas de responsabilidade dos governantes, tão grave uma como outra. Com as construções descontroladas à beira-mar nestes últimos anos, nascentes e riachos foram soterrados. Hoje falta água na Ilha de Maré. Durante o verão, não é raro que passem cinco ou mais dias sem uma gota nas torneiras. Esqueçam o banho, a cozedura dos alimentos, a lavagem de panelas, pratos e talheres. Como a Embasa ainda não inventou o barco-pipa, o restaurante é obrigado a fechar. O outro motivo é a proximidade de um vizinho que curte um som nas alturas, horas seguidas, sem piedade pela clientela da Preta. A poluição sonora não é somente na Pituba, Baixa do Tubo ou Graça, mas também nas ilhas da baía onde fiscal nenhum da prefeitura se lembra de navegar.


Um restaurante vai abandonar uma ilha longínqua... E daí? Daí, 30 ilhotas vão perder seu emprego, sem falar dos fornecedores que, quase todos também da ilha, sentirão a falta de uma boa freguesia para o orçamento familiar. Na hora da votação, Seu Governador, seus súditos poderão hesitar. E é pouco provável que a Preta seja substituída por estabelecimento de mesma qualidade, Seu Prefeito, já que os donos das poderosas lanchas pouco apreciam a barulheira de FM ou FM bregas. Sofrem a qualidade de vida, o poder aquisitivo e o turismo.

Mas uma vez vou bater na mesma tecla: a mediocridade, a falta de visão e falta de cultura de nossos governantes. Por enquanto ainda aproveito para falar aquilo que penso, já que a Câmara dos Deputados, lá em Brasília, cogita uma lei que vai proibir falar mal dos políticos. Amanhã todos nós louvaremos os Sarney, Geddel, Jader Barbalho, Cunha...

Dimitri Ganzelevitch
Jornal A Tarde
24 de fevereiro 2018.

2 comentários:

  1. Caro Dimitri,
    Você deve ter razão em muitos pontos. Poluição sonora, dificuldade de acesso, descaso das autoridades, etc.
    Mas não quanto a falta D'água na Ilha de Maré. Minha mãe nasceu lá em 1919 e já faltava água. Não foi soterramento de rios que causou isso.
    Hoje, ainda vou à ilha de vez em quando e,apesar da incompetente EMBASA a situação e muito melhor do que antigamente. Mas vamos reclamar, aquela ilha é um paraíso e tem que melhorar.
    Sds.,
    Carlos Fernandes

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